Como pedopsiquiatra e psicanalista, de há muito que se me torna evidente a profunda integração da afectividade e cognição no normal funcionamento psíquico. O pensamento freudiano é já integrativo quando elabora a teoria da libido, uma vez que a procura da satisfação, do prazer, se torna possível através da relação com o outro (relação de objecto), ou seja através do estabelecimento de vínculos que mais não são do que representações /memórias carregadas de afecto. A relação de objecto ou seja, a relação dual amorosa mãe-bebé, está na origem da vida psíquica, oferecendo às representações e memórias que então se esboçam, forte componente emocional. O pensamento, no conceito de Freud é uma forma mais elaborada de adaptação ao meio que permite progressivamente substituir a descarga motora e pulsional, por representações e símbolos, e obter, tanto quanto possível, a conciliação entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. O estudo e observação directa da relação mãe-bebé tem levado inúmeros psicanalistas a teorizar sobre o despertar da vida psíquica e seu funcionamento. Bion, psicanalista britânico contemporâneo, foi talvez dos mais originais ao conceber um "aparelho de pensar os pensamentos", a partir da relação inter-subjectiva mãe-bebé. Admite que o bebé humano traz pré-concepções (expectativa inata do seio, por ex.) e é através da experiência emocional, a partir da satisfação do contacto directo com o seio que se origina um pensamento primitivo e, mais tarde, um conceito. Admite que, nesta relação para a qual propõe o modelo de continente/conteúdo, o psiquismo da mãe vai dando resposta (significado) à vida emocional caótica do bebé permitindo que este retenha e organize memórias e experiências sensoriais. Assim se esboça o pensamento, ou seja a capacidade transformadora (função ?) de experiências emocionais em representações e simbolos. A experiência primordial da frustação pela ausência da mãe, está na origem do processo cognitivo. Segundo Bion "todo o conhecimento se origina em experiências primárias de carácter emocional, relacionadas com a ausência do objecto". Com efeito se o objecto de satisfação não aparece, tem de ser alucinado, tem de ser evocado, primeiro como mau objecto porque falta, depois, à medida que se somam experiências de satisfação e se estabelece enfim, uma confiança básica, evocado como o bom objecto que se espera. O pensamento e a capacidade de simbolização, segundo a teoria Psicanalitica, origina-se pois a partir de experiências emocionais de satisfação e frustação. É certo, como advoga a Psicologia Cognitivista que o desenvolvimento cognitivo depende da progressiva maturidade do S.N.C., com um acréscimo da capacidade perceptiva, discriminativa e conceptual, com vista á adaptação ao meio circundante. Esta Escola não despreza os factores afectivo-emocionais e relacionais em todo este processo, mas tende a admitir que o pensamento organiza a emoção, enquanto a Psicanálise defende que o envolvimento emocional da relação é que organiza e estimula o pensamento. Para os incrédulos da Psicanálise e da Psicologia Cognitiva temos de recorrer às recentes investigações de um notável neurologista português, radicado nos E.U.A., o Dr. António Damásio. Este cientista tem, além da profundidade da sua investigação, o dom de falar e escrever claro para um público leigo, basta lembrar o seu livro "O Erro de Descartes" um "best-seller" que possivelmente conhecem. Damásio provou em investigações realizadas em indivíduos com lesões cerebrais pré-frontais que o embotamento das respostas emocionais perturba gravemente o comportamento e a capacidade de decisão desses indivíduos. Embora mantenham a atenção, a memória, a linguagem e até capacidade de realizar cálculos e problemas abstratos, a que vulgarmente designamos por inteligência, a perda completa da reacção emocional leva estes indivíduos a um comportamento irracional, à incapacidade de tomar decisões, pondo até por vezes, em risco a sobrevivência. A neurobiologia e neuropsicologia demonstram que sem as emoções a razão não é possivel porque são elas que validam a escolha desta ou daquela estratégia de tomada de decisões. A memória da experiência emocional (de prazer ou de dor) comanda a decisão, até mesmo quando não há recordação consciente dessa emoção. Segundo Damásio, a razão sem emoção será lógica, mas não é racionalidade; sem as emoções e sentimentos, que estabelecem um permanente alerta sobre a paisagem do corpo, não poderíamos assegurar a nossa sobrevivência. Daí que os sentimentos ligados a representações sejam o enquadramento privilegiado para o processo cognitivo. Talvez esta introdução, ainda que muito genérica, vos pareça académica e redundante. Na compreensão do comportamento humano, na intervenção psicopedagógica e psicoterapeutica, que se vale sobretudo da relação, talvez as teorias sejam secundárias, porque o que realmente interessa é chegar ao contacto com a pessoa, à relação inter-subjectiva, onde afectividade e cognição se aliam e confundem. Antes de abordar o tema desta minha conferência, farei algumas considerações sobre a relação professor-aluno, e se me permitem, fa-lo-ei de forma bastante sintética.
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