O Professor do Futuro
A crise do sistema de ensino em Portugal é do conhecimento de todos e repete-se em todos os patamares da casa do ensino/educação. Na verdade, todos reconhecem a situação e todos se propõem encontrar respostas para os problemas existentes. Todavia, os passos dados pelo governo, pela comunidade científica e pelos encarregados de educação são, no mínimo, pouco inovadores e enfermam de vícios seculares. Numa lógica de “sacudir a água do capote”, todos procuram uma vítima a quem possam atribuir todas as culpas e que seja fácil de abater. A escola é a grande culpada por séculos de inércia e de irresponsabilidade colectiva; é preciso destruí-la. Hoje fala-se mesmo de “descolarização”. Em segundo lugar, aparecem os professores como agentes institucionais, logo co-responsáveis pelos males atávicos de todo o sistema; sem mais, exige-se que sejam crucificados no calvário de todos os insucessos em nome de qualquer filho de um Deus menor.
Realmente, a nossa escola, convenhamos, é velhinha de 200 anos. Apesar da sua vetusta idade, ainda ostenta no seu semblante a luminosidade da visão e do pensamento do Marquês de Pombal. O mesmo acontece na baixa pombalina da cidade de Lisboa, da qual nos orgulhamos e que queremos preservar; mas a capital de hoje seria impensável sem as novas centralidades, as novas avenidas, os novos hipermercados, os novos espaços de lazer. É isso que a torna atractiva, graciosa, sedutora, sempre suficientemente antiga e ousadamente moderna. Todavia com a escola não se passa o mesmo. Quando pensamos nela, sentimo-nos esmagados por uma realidade que temos dificuldade de compreender e pejo de aceitar. "O problema central da escola é a sua falta de sentido, a persistente alienação face ao presente, o fechamento de quase todos os horizontes (...) Cresce hoje a sensação de inutilidade e de vazio. Alonga-se o período de passagem entre a infância e a idade adulta, prolonga-se a dependência, cresce a sensação de ruína de referências estáveis. Sem luz no fundo do túnel escolar". (J. Matias Alves, 1999, O Sentido da Escola, in Correio da Educação, nº 17). Na verdade, escreve ainda o pedagogo citado, a nossa escola "mantém o mesmo mandato e a mesma organização de há 200 anos, o mesmo modo de organizar o saber, a mesma hierarquia de saberes, o mesmo pressuposto de que é a instância por excelência da transmissão de conhecimentos e de socialização (...)". (J. Matias Alves, 1997, Currículos e Programas do Ensino Secundário – Problemas de Perspectivas, in A Reflexão e a Revisão dos Currículos dos Ensinos Básico e Secundário, Actas de Seminário. Dossier RUMOS, nº 3, Porto: Porto Editora). Daniel Sampaio partilha da mesma opinião, ao escrever que "a escola não é estimulante e, para a maioria dos jovens, não faz o menor sentido". (D. Sampaio, 1999, Focus, Outubro, 1).
Os professores, por sua vez, sentem-se encurralados neste círculo vicioso, cruzam os braços, acomodam-se e limitam-se a manter vivo este dinossauro estranho ao nosso tempo, a merecer fazer parte do espólio de um qualquer museu que mantenha viva a cultura de uma qualquer civilização remota.
Na generalidade, é ao professor que se atribuem todas as culpas desta situação. Ao professor nada se perdoa e nenhum estímulo ou apoio se concede. A ele se atribuem as responsabilidades de todos os fracassos, se sobrecarregam de deveres e, só raramente, se atribuem alguns parcos direitos. Pretende-se um professor invertebrado ou saco de pugilista, que não possa reagir e esteja sempre pronto a encaixar investidas e socos disparados de todos os quadrantes.
Todas as instituições fazem incidir os focos da ribalta sobre o "velho professor" e procuram encontrar um "novo docente" que seja capaz de revitalizar a escola, dando-lhe um novo sentido e uma nova capacidade de integração dos jovens na vida activa. Esquece-se, pura e simplesmente, que o professor não é nem pode vir a ser o centro das atenções do processo educativo. Esse lugar de excelência cabe, exclusivamente, ao aluno. Por ele e para ele existe a escola e tudo o demais é pessoal envolvente que lhe deve prestar serviços de alta qualidade. Defina-se, com urgência e rigor, o perfil do jovem que a sociedade do novo século deseja integrar na sua comunidade, e, depois, adequam-lhe os conteúdos, as metodologias e o perfil dos responsáveis por todo o processo de formação e de acompanhamento dos jovens cidadãos.
É comumente aceite por todos os técnicos de educação que a comunidade humana deve oferecer aos jovens uma formação integral, que promova o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana. Assim, cada um dos jovens deve ser formado para a liberdade responsável, para a maturidade em ordem a tomar decisões pessoais, para a abertura ao futuro, para a flexibilidade na mudança de atitudes e na adaptação a situações novas, para a sensibilidade perante os problemas locais, regionais, nacionais e internacionais, para a originalidade pessoal apoiada numa atitude crítica e criativa, e para a realização profissional.
Além disso os jovens devem ser orientados para a solidariedade com o mundo em que estão inseridos, para a responsabilidade participativa, para o respeito pelas ideias e pela consciência dos outros, para o trabalho em grupo e para o compromisso na construção da fraternidade humana.
Por último, cremos seriamente que o perfil dos jovens não estará completo se ficar limitado a uma visão puramente laica da vida e do mundo. A natureza humana tem sede e fome do transcendente e só ficará plenamente realizada se lhe for franqueada a abertura constante para valores superiores.
A partir do perfil que acabámos de apresentar, deverá ser delineado o tipo de professor que desejamos para formar e acompanhar os jovens do futuro, um líder que seja firme e exigente nos princípios e tolerante nas decisões. Dado este passo, poderemos acreditar na transformação da nossa escola.
Estabelecidos estes princípios e assumidos estes valores, convidámos técnicos de educação oriundos das mais diversas procedências e com as mais variadas formações, para analisarem o perfil do professor do futuro. Referimo-nos às 4.as Jornadas Psicopedagógicas de Gaia. Contrapuseram-se visões diversificadas da vida e do mundo, esbateram-se arestas conceptuais, somaram-se consensos, mas uma vez mais nos consciencializámos de que se trata de um filão inesgotável a carecer de novas abordagens.
Neste número da Revista Psicologia, Educação e Cultura, publicamos alguns dos trabalhos então produzidos, para que sirvam de base para outros encontros científicos e provoquem outros estudiosos a abordarem o tema. Todo o profissional de educação está vocacionado a ser sempre um professor do futuro ou está condenado a ser um professor do passado. Como as gerações nunca se repetem, o professor tem que estar permanentemente em auto-reconversão, para poder apoiar cada aluno na turma, dar resposta às suas inquietações e ao desenvolvimento de competências nas áreas do “saber”, do “fazer” e do “ser” que a sociedade, em cada época, lhe fixa como meta.
Autor:
João de Freitas Ferreira
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