Ensino, Aprendizagem e Desenvolvimento

Se quisermos fazer uma retrospectiva dos sistemas educativos do século XX, chegaremos à conclusão de que, até há bem poucos anos, o que interessava, no processo educativo, era falar aos alunos, de modo exaustivo, sobre as grandes descobertas das ciências e sobre os seus promotores. A lógica estava mais na transmissão dos factos, do que em pôr os alunos a descobrirem os fundamentos que estão na base dessas mesmas descobertas.

Tratava-se, pois, de um modelo de ensino centrado no professor, sendo este apresentado como o pilar básico do conhecimento no processo educativo. O professor devia transmitir aos alunos os seus conhecimentos, de forma clara e distinta, e fornecer-lhes material de estudo complementar. Este assumia-se, assim, como sendo o pólo de todas as atenções, preparava-se cuidadosamente, recorrendo aos seus conhecimentos gerais, e produzia aulas magistrais, que se pretendia ficassem gravadas na memória dos seus alunos para sempre. Um técnico de ensino deste tipo preocupava-se apenas com a transmissão do saber tradicional, descurava a investigação, desconhecia os riscos da investigação e não apostava nos desafios do desenvolvimento e do progresso. O seu múnus de docente limitava-se assim à transmissão de conhecimentos e esgotava-se na avaliação da capacidade do aluno para reter e reproduzir esses mesmos conhecimentos.

Ao aluno reservava-se, neste modelo, um papel puramente passivo. O aluno era considerado como um recipiente vazio, uma "tabula rasa", uma página branca e virgem, onde nada se havia escrito ainda, mas que se assumia como mais ou menos ávida de receber toda a classe de conteúdos. Estes, por sua vez, eram as ideias claras e distintas, profundamente elaboradas, que se encontravam instaladas no cérebro do professor e que deveriam passar para o cérebro do aluno numa mágica de "copy" e "paste". A participação do aluno reduzia-se ao facto de permitir que nele se instalassem conhecimentos, metodologias e processos alheios, passando ele a ser tão somente um severo guardador de tesouros que ele não conhecia nem sabia manipular anteriormente. O professor continuava a ser a referência, o "server", que administrava todo o património cultural e científico criado.

Neste modelo de ensino, privilegiava-se, quase exclusivamente, a capacidade de retenção ou de memorização de conhecimentos, mas não se desenvolviam as capacidades operativas do aluno que o pudessem levar a rentabilizar todo aquele recheio de saberes. O aluno não passava do cofre forte do mais forte banco mundial, sendo incapaz de, por si, produzir novas riquezas. De um tal técnico, quer fosse de nível médio quer de nível superior, poder-se-ia esperar uma razoável capacidade de conservar os equipamentos instalados, mas dificilmente se lhe deveria confiar um projecto de investigação, inovação e desenvolvimento.

Nas últimas décadas, os pedagogos começam a centrar o ensino na iniciativa do aluno e no processo de aprendizagem. Esta mudança não pretende minimizar o papel interventor do professor; está em causa, sim, a redefinição do seu papel, assim como do papel do aluno e dos próprios conteúdos, no processo de ensino/aprendizagem.

O professor passa a ser o responsável pela definição do técnico a formar, pela selecção e a adequação das metodologias a usar, pela qualidade a atingir, pela autonomia e auto-responsabilização do aluno, pela ligação do aluno ao mundo global do trabalho e pela avaliação final de todo o processo.

Naturalmente que, num modelo centrado no ensino/aprendizagem, o aluno se torna o principal interventor de todo o processo. A memorização continua a ter um papel importante, mas mais periférica: é um "thesaurus" a que o aluno deve recorrer para desenvolver a tarefa principal da aprendizagem, que se prende com o desenvolvimento rigoroso e harmonioso das suas capacidades, destrezas, atitudes e comportamentos.

Os conhecimentos/conteúdos perdem também, o seu papel determinante no processo de ensino/aprendizagem, mas não se deixam encurralar nos liames de uma participação secundária. Todos nós sabemos que os conhecimentos, neste momento, têm um prazo de validade muito limitado: aquilo que hoje é tido por verdade incontestável, amanhã não passa de uma mera ilusão. A mudança é vertiginosa. Por isso não é justo que se ocupe a mente dos jovens com verdades efémeras. O que importa, sim, é levá-los a procurarem a verdade que reside para além das verdades. Os conteúdos servem fundamentalmente para desenvolver as capacidades dos alunos. Atingido este objectivo, passam a desempenhar papéis secundários, podendo vir até a ser esquecidos, sem que isso represente qualquer perda significativa dentro do sistema global de ensino ou da formação profissional dos alunos.

Este modelo de ensino não só marca o ritmo de desenvolvimento pessoal do aluno, mas até lhe garante uma sempre renovada curiosidade científica, uma grande capacidade de correr riscos e um espírito atento à investigação, à inovação e a tudo o que se prenda com o desenvolvimento e o progresso científico e tecnológico. Futuras reconversões profissionais nunca serão dramas insolúveis, mas desafios que se enfrentarão com alguma desenvoltura e acentuado prazer.

Se bem que este novo modelo tenha tido uma aceitação generalizada, o certo é que apenas um número reduzido de escolas e de professores tentaram levá-lo à prática. Por um lado a ancestral resistência à inovação, por outro a sempre invocada falta de meios tolheram o desenvolvimento de todo o processo. No entanto essa meta está hoje assumida.

A escola e o sistema educativo não podem desligar-se do clima de inovação mais geral que trespassa toda a vida social. Por exemplo, as razões apresentadas para alguma "resistência à inovação" caem pela base, porque as tecnologias da informação, hoje disponíveis nas escolas, põem ao dispor de professores e alunos todos os meios necessários para vencerem os "Adamastores", que teimam em ameaçar a moderna pedagogia. As novas tecnologias da informação tolhem ao professor qualquer veleidade de recuperar o seu papel de "mestre" e transferem, forçosamente, o centro de toda a actividade educativa para o aluno. O importante é encontrar para cada aluno os estímulos e os processos capazes de promoverem a sua aprendizagem.

Desejosos de levar a comunidade científica e os professores de todos os níveis de ensino e de formação profissional a dar este salto qualitativo, os responsáveis pela organização das "2.as Jornadas Psicopedagógicas de Gaia" escolheram como tema central a "Educação e Aprendizagem". Ao longo de dois dias, foram abordados os mais variados assuntos ligados com este tema. O número três da revista "Psicologia, Educação e Cultura" faz-se eco do ambiente ali vivido e reproduz a maior parte das conferências e comunicações então apresentadas.

Autor: João de Freitas Ferreira

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