Concluíram-se as 1.as Jornadas Psicopedagógicas de Gaia, subordinadas ao tema Cognição e Afectividade no Ensino-Aprendizagem. Durante dois dias, professores de quatro Universidades Portuguesas - Aveiro, Coimbra, Minho e Porto - interromperam os seus afazeres académicos e dispuseram de tempo para dialogarem com professores do ensino básico e secundário sobre os problemas fundamentais do processo ensino/aprendizagem. Pela primeira vez se juntaram tantos professores do ensino superior, animados pela ideia de ligarem as suas escolas à comunidade envolvente e de, em diálogo ameno e despido de preconceitos, lhe oferecerem o resultado da sua longa e aturada investigação. Na verdade, os professores do ensino básico e secundário precisam destes contactos, caso contrário, envelhecem no seu posto de trabalho condenados a um analfabetismo profissional rápido e impiedoso; por outro lado, as elucubrações dos professores do ensino superior deixam de ter qualquer significado e impacto se não forem comunicadas ao exterior e postas ao serviço daqueles que actuam no vasto campo do ensino.

Os dois números desta Revista em 1997 foram dedicados à publicação das comunicações que nos foram enviadas. Por esta razão, aproveitamos este segundo número para apresentar as conclusões a que conferencistas e participantes chegaram nestas 1ªs Jornadas. Aproveitamos o teor das próprias comunicações e das reações dos participantes para redigir estas conclusões.

1. Não é fácil nem aliciante ser-se professor hoje. A situação actual da profissão docente está marcada pela perda de "poder e de status social". Alguns relatórios apontam até o incómodo que muitos professores sentem ao viverem a sua profissão. Cada vez são atribuídas aos professores maiores exigências sem lhes ser dada adequada formação ou ser reconhecido o seu estatuto sócio-profissional. Por outro lado, pretende-se implementar a reforma educativa por decreto, legislando a área da formação dos professores sem os ouvir ou mesmo sem auscultar as instituições de formação. A formação dos professores deverá ser assumida como "uma das principais prioridades educativas", tendo-se em conta "as múltiplas mutações sociais, culturais e tecnológicas que se fazem sentir, ao aproximar do terceiro milénio, com a inerente necessidade de adaptação às mesmas". Os poderes públicos e a sociedade civil devem conferir, novamente, "à função docente status e condições retributivas consentâneas com a relevância e com o alcance social do papel dos professores".

2. O sistema educativo, desde o ensino básico ao universitário, não funciona ou funciona muito mal. A última reforma introduziu algumas melhorias, mas revelou-se incapaz de inverter o processo, estancando o abandono e promovendo o sucesso escolar. "Os sintomas de mal-estar e de insatisfação de alunos, de professores e de pais, parecem até ter aumentado, gerando-se a impressão de que o sistema foi ficando de tal modo doente que se torna difícil fazer o diagnóstico e mais arriscado ainda propor e tentar qualquer terapêutica". É necessário abandonar os métodos tradicionais de ensino, ainda centrados no "teoria da transmissão" de conhecimentos, os métodos de avaliação, centrados na "teoria da reprodução de conhecimentos" e na "selecção dos que melhor se adaptam às condições (adversas) do meio", para se colocar a motivação dos protagonistas do processo de ensino/aprendizagem na relação humana.

3. A integração da afectividade e cognição no normal funcionamento psíquico do aluno passou a fazer parte integrante, há já algum tempo, do tesouro avaramente guardado e defendido por pedopsiquiatras e psicanalistas. Todavia o recurso exagerado, por vezes persecutório, à auto-estima do aluno acaba por levá-lo a criar "um Ideal do Eu grandioso" a que ele não pode dar resposta e do qual fica intimamente dependente. O resultado torna-se perverso, pois, transforma o aluno num autómato sujeito a funcionamentos obsessivos e perfeccionistas. O passo seguinte é a rivalidade com os colegas e a "fobia escolar". Por fim, apossa-se dele um permanente estado de tristeza e angústia, que o pode conduzir à desistência. O professor deve estar atento a estas situações e ajudar o aluno a "regular de forma realista a sua auto-estima". Na sua relação com o aluno, deve "estimular o desenvolvimento global da personalidade, promovendo a autonomia progressiva do aluno na sua dimensão afectiva / cognitiva / social.(...) "O desenvolvimento cognitivo está profundamente enraizado no equilíbrio e satisfação afectiva da criança".

4. Nas últimas décadas, a memória tem sido geralmente desvalorizada em termos educacionais. Teriam razão os defensores de tal tese, se a memória fosse essencialmente definida como um reservatório passivo de informação; mas, se, ao contrário, a memória for tida como um processo dinâmico de evocação, tratamento, organização e registo de informação, posta ao serviço de uma aprendizagem concebida como construção progressiva de conhecimento, então ela constitui um elemento fundamental no processo de ensino/aprendizagem. "A escola é indissociável da nossa memória, quer informalmente pelos muitos episódios de que nos recordamos e que formam marcos indeléveis da nossa infância e juventude, quer formalmente pelos conhecimentos adquiridos que constituem requisitos importantes para o exercício da profissão, da cidadania e de muitas tarefas do dia a dia. Promover adequadamente na escola a memória do que se ensina deve ser um dos objectivos primordiais de qualquer educador".

5. Professores e alunos vivem das expectativas que eles mesmos criam em volta do processo de ensino/aprendizagem. Mais, essas expectativas funcionam como motivação ou desmotivação de uns e de outros. "Certamente que as expectativas não são a chave mágica de interpretação do sucesso/insucesso escolar, mas uma das variáveis que é necessário ter em conta no complexo dinamismo do processo ensino/aprendizagem. Ao menos são de evitar explicações demasiado sociológicas dos resultados escolares que se poderiam tornar também fatalistas, considerando, por exemplo, a priori, que determinado aluno, procedente de um meio sócio-cultural desfavorecido, estaria condenado, à partida, ao insucesso".

6. A Constituição Portuguesa garante a todos os cidadãos igualdade de oportunidades educativas. Na prática, embora esteja garantida a "igualdade de oportunidades de acesso, a questão centra-se ao nível da igualdade de resultados, ou seja, de aquisição de saberes e de competências (...): as raparigas apresentam um êxito escolar crescente e superior ao dos rapazes quer no ensino secundário, quer no ensino superior, todavia não logram atingir um êxito social equivalente, quer no campo político, quer no campo económico". A escola tem um papel determinante no criar de igualdade de oportunidades educativas, "sendo os e as docentes e os seus formadores e formadoras vectores privilegiados na integração da igualdade de oportunidades, nos conteúdos programáticos e nas práticas educativas".

7. Segundo a tradição, compete à universidade e aos professores universitários transmitir saberes pedagógicos e académicos (teoria) e aos professores-delegados do ensino básico e secundário orientar e acompanhar o saber-fazer (prática). O desenvolvimento do saber-ser professor fica a cargo do próprio candidato que, por si só, deverá aprender a ensinar e aprender a pensar como professor. É necessário criar ambientes educativos alternativos nos quais "cada pessoa se construa como agente educativo, ou seja, que se confronte com pensamentos, juízos, decisões, sentimentos e acções de um professor experiente".

8. "É inquietante que sejam as Associações de Pais a solicitarem, junto do Ministério da Educação, maior exigência no ensino e mais rigor na avaliação. O facilitismo em que se caiu nos últimos anos explica os 6000 alunos do 12º ano que obtiveram zero a Matemática, muito recentemente, no Exame Nacional. Um dos aspectos importantes na formação da motivação e do esforço dos alunos é ajudar os professores a alterarem algumas das verbalizações com que por vezes reagem ao bom e fraco rendimento dos seu alunos. Fala-se, muitas vezes, na capacidade do aluno ou na falta desta para explicar o seu rendimento e fala-se muito pouco no esforço". É necessário que, na escola, se volte a falar no esforço ou na pedagogia do esforço.

9. A preocupação com a formação pessoal e social dos alunos, embora seja um problema de sempre, surge entre nós, com nova força, a partir da aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo e da proposta da Comissão de Reforma do Sistema Educativo. Toda a discussão posterior se desenvolveu com base em duas posições antagónicas: uma representada pela Igreja, que defende a interiorização de valores, e outra assumida pela própria Comissão de Reforma, que propõe o desenvolvimento de competências pessoais e interpessoais. As duas posições parecem irredutíveis, se "assumidas na sua integridade ideológica". Há que libertar o processo dessas amarras, para que, quer através dos conteúdos seleccionados, quer através das estratégias e das metodologias usadas, se chegue a uma solução capaz de "promover a aquisição de conhecimentos e de competências de vida capazes de melhor deixar preparada a pessoa para encarar novas situações e diferentes formas de ser e de estar, no fundo, para aprender a situar-se perante as mudanças do presente e as exigências do futuro".

10. A escola desempenha uma importante função formativa na sociedade. Não pode, pois, a escola limitar as suas práticas instrucionais aos conteúdos programáticos e às dimensões cognitivas - o saber e o saber-fazer; os professores não devem reduzir a sua actividade à mera exposição de saberes e os alunos não devem restringir o seu esforço à retenção e reprodução de conteúdos. A escola deve investir progressivamente no "ensinar a estudar" e no "ensinar a pensar". "Numa lógica cognitivo-construtivista resumiríamos esses dois aspectos à criação de condições e oportunidades favoráveis ao "aprender a aprender e pensar" por parte dos alunos. Muitos professores e muitas actividades escolares não favorecem essa aprendizagem tão básica à cidadania e ao próprio êxito escolar do aluno. Provavelmente terá que haver um maior esforço na formação dos professores a respeito dos mecanismos e estratégias de aprendizagem, do pensamento e da resolução de problemas, de outro modo o insucesso do aluno confunde-se com o fracasso da própria escola".

11. A avaliação tradicional das capacidades cognitivas do aluno continua a desempenhar um papel importante no processo educativo. No entanto, é preciso caminhar-se para a "avaliação dinâmica ou interactiva da inteligência". "A situação interactiva e de aprendizagem em que assenta esta nova forma de avaliação possibilita uma avaliação mais global e contextualizada das capacidades e do funcionamento cognitivo dos sujeitos, podendo inclusive atender melhor aos objectivos de avaliação junto de grupos de crianças com maiores dificuldades escolares ou com problemas comportamentais, particularmente quando tais problemas afectam a forma como lidam e resolvem as tarefas".

12. O envolvimento dos alunos na escola, a sua adaptação à mesma assim como o seu percurso escolar dependem daquilo que os alunos aceitam, valorizam ou rejeitam na escola. Isto significa que o sucesso ou insucesso dos alunos depende, em grande parte, das representações que eles tenham da escola. Todavia "as representações sociais da escola nos alunos não se estruturam segundo uma direcção única, nem à volta apenas de um núcleo de significações que agiria como matriz central na integração de outros elementos periféricos no processo de construção do conhecimento social sobre a escola". Umas vezes dependem da informação sobre as diferentes actividades escolares; outras "ligam-se a dimensões atitudinais". Daqui se conclui que a alteração dos comportamentos escolares dos alunos em dificuldade e a sua própria recuperação dependem da mudança das representações que eles têm da escola; no entanto, ao "plano da mudança das representações daqueles alunos, deveriam corresponder mudanças correlativas nas representações dos professores e da própria organização escolar".

13. As novas tecnologias de informação integram cada vez mais o nosso quotidiano pessoal e social. A escola não pode ficar alheia a este movimento. Diversas aplicações das novas tecnologias ao processo de ensino-aprendizagem terão que fazer parte cada vez mais do quotidiano escolar, dos professores e dos alunos. Numa lógica de individualização e autonomia do aluno na sua aprendizagem (agora "construção de conhecimento") estes avanços tecnológicos deixam um maior espaço à imaginação e à produção do conhecimento pelo próprio aluno. O acesso mais fácil criado a um maior volume de informação, a par da qualidade sensorial e perceptiva dessa informação, justificam a abertura das escolas e dos professores às novas tecnologias de informação.

Estas são as principais conclusões a tirar do trabalho realizado ao longo dos dois dias das 1ªs Jornadas Psicopedagógicas de Gaia. Outras poderiam ainda ser aduzidas, pois, todas as comunicações apresentadas foram objecto de muita investigação e tiveram boa aceitação por parte dos participantes. A qualidade dos trabalhos produzidos fica patente e ao alcance de todos através dos textos agora publicados.
O êxito destas 1.as Jornadas e a experiência adquirida com a realização das mesmas deixam em aberto o caminho para a realização das 2.as Jornadas Psicopedagógicas de Gaia em 1997. Para isso contamos com a colaboração das universidades envolvidas nesta iniciativa e dos participantes, sem os quais nada será possível.

Autor: João de Freitas Ferreira

Mostrar # 
APRENDER A PENSAR COMO PROFESSOR:CONTRIBUTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES Autor: Maria Teresa Pessoa Jorge MendesFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra&Duarte Costa PereiraFaculdade de Ciências, Universidade do Porto 1529
AS NOVAS TECNOLOGIAS E O SEU IMPACTO NA EDUCAÇÃO Autor: Maria Isabel Cabral MenesesEscola EB2 de Canidelo, Vila Nova de Gaia&Duarte da Costa PereiraFaculdade de Ciências, Universidade do Porto 1289
AVALIAÇÃO DINÂMICA DA REALIZAÇÃO COGNITIVA: ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA A AVALIAÇÃO ESCOLAR Autor: Maria do Sameiro AraújoFaculdade de Letras, Universidade do Porto&Leandro S. AlmeidaInstituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho 1814
AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA:COMO AVALIAR ATITUDES Autor: Carlos BarreiraFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra 2818
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DESENVOLVIMENTO PESSOAL DO ALUNO Autor: Joaquim Armando FerreiraFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra 1381
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DO ADOLESCENTE EM CONTEXTO ESCOLAR:APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO NARRATIVO Autor: Florbela Santos da VitóriaInstituto Piaget, Viseu 1451
FACILITAR A APRENDIZAGEMATRAVÉS DO ENSINAR A PENSAR Autor: Pedro RosárioInstituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho 1353
FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL:DILEMA DO PASSADO E DO PRESENTE Autor: António Gomes FerreiraFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra 1541
INTERFERÊNCIA DA PROBLEMÁTICA AFECTIVA NA APRENDIZAGEM Autor: Celeste MalpiqueInstituto de Ciências Biomédicas, Universidade do Porto.Directora do Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital de Crianças Maria Pia, Porto. 1845